sábado, junho 24, 2006

A chuva caiu como lágrimas


Desde já, a melhor sessão do CorteSeco.

Após a tumultuada primeira sessão, o Cineclube CorteSeco estava merecendo uma exibição tranqüila, pontual e com direito a conversas instigantes ao fim do filme. E foi exatamente isso que rolou na última quarta-feira, dia 21, onde os espectadores de ‘2046’ puderam demonstrar o seu encantamento com o sensível universo de Kar-Wai. Universo povoado por singelas recordações, pessoas marcadas por paixões avassaladoras, andróides retardadas e fumaça se esvaindo em câmera lenta.

Antes do filme foi exibido outro curta-metragem do cineasta Jan Svankmajer (confira post abaixo). O seu trabalho em stop-motion foi conhecido pela obra “Obscuridade, luz, obscuridade” (1989).

Fica aqui o meu insistente convite para aqueles que iriam, mas acabaram não indo, que apareçam e apreciem os próximos filmes. Para os já assíduos participantes e as (+ou-) 25 pessoas que foram pela primeira vez e assinaram a lista de contatos, fica o momento de cinefilia compartilhado por todos.

Finalmente, a sessão deixou saudades e recordações. Quem sabe não as encontraremos em um longínquo ‘2046’?

p.s.: ok..o trocadilho final foi forçado, mas...isso é ‘apenas’ um blog, certo?

Próximo filme.
“Sobre Café e Cigarros” de Jim Jarmusch
05/julho _ quarta-feira [caso não haja jogo do Brasil]

sábado, junho 17, 2006

'Especiaria' do Oriente...

“Cada um que vai à 2046, tem uma intenção...
Quer recuperar recordações perdidas.
Porque em 2046...
Nada Jamais Muda
Contudo, ninguém realmente sabe se isso é verdade ou não
Porque ninguém jamais voltou”
(extraído do filme 2046)

Aporta na tela do CorteSeco o mais recente filme do festejado diretor chinês Wong Kar Wai. Nessa quarta-feira, 21, às 19h20 (pontualmente, assim esperamos) será exibido o filme 2046 (Hong Kong/ China/França/Alemanha, 2004 ). Misto de romance de época estilizado com ficção cientifica, a obra traz toda a virtuosidade desse esteta do cinema contemporâneo, que já carrega em sua bagagem autoral oito filmes, incluindo ‘Amor à Flor da Pele’, antecessor de acontecimentos e personagens que estão presentes em 2046. Veremos/ouviremos porque o cinema oriental é o mais querido da atualidade.

domingo, junho 11, 2006

Sem clichê roqueiro


Após 20 minutos de filme, e pouquíssimas informações narrativas na tela, o espectador sabe exatamente qual é a proposta conceitual de ‘Last Days’. Pode então, acompanhar com serena cumplicidade todas as imperturbáveis escolhas que se seguem até o fim.

Gus van Sant não esconde a sua falta de interesse pelo cinema-sacada (aquele tipo de filme que surpreende o espectador com reviravoltas na trama, revelações bombásticas e outras técnicas narrativas). ‘Last Days’ é essencialmente previsível, algo já apontado por alguns filmes anteriores do diretor. Afinal, foi dele a idéia de refilmar plano a plano o clássico de suspense de Hitchcock e um dos filmes mais vistos e queridos de toda a história do cinema: Psicose.

Sendo guiado pela mesma idéia de previsibilidade, Van Sant desenvolve um cinema cada vez mais autoral e cada vez mais distante do senso estético comum encontrado na maior parte dos cineastas que abordam o universo dos jovens contemporâneos. Nesse ponto, ‘Last Days’ se relaciona com toda sua filmografia, especialmente Elefante, filme anterior que apresenta inquietações estéticas muito parecidas.

Ao se basear num acontecimento excessivamente tratado pela mídia, o suícido de Kurt Cobain, Van Sant pode tranqüilamente dialogar com elementos que já fazem parte do repertório do espectador, diluindo pouco a pouco as possíveis expectativas dramáticas. Uma espécie de demarcação de posição, mostrar a segurança de suas escolhas e trazer a tona o essencial de seu cinema.

Dessa forma, após longo silêncio (verbal) no começo do filme, o primeiro contato é travado quase que por acaso, sem nenhuma motivação pra trama. O diálogo nada acrescenta e a nada quer chegar, numa espécie de sabotagem da gramática narrativa audiovisual.

O filme brinca com uma expectativa clichê de certo tipo de espectador. Não apenas pela conversa com sua mãe (na qual ela chama a atenção pro fato dele ser um clichê roqueiro), mas sobretudo pelo ritmo dos planos. Em contraposição a toda estética clipada usada na representação do universo musical (ironizada pelo clip ‘brega’ que passa na tv), o filme se desenvolve em um contínuo escoar lento do tempo.

E é nesse ponto que se percebe um artista consciente de suas escolhas estéticas, muito mais além do que a brincadeira de um sabotador experimental. Um verdadeiro antídoto ao cinema contemporâneo que já mostra sinal de cansaço com a (má) utilização da ‘câmera na mão, e enquadra o que der, do jeito que der’. Não um anti-cinema excessivamente experimental e afetado, mas sim, um cinema econômico, bem ao gosto de Tarkovski, ou mesmo Antonioni. Um cinema mais sensorial e menos informativo. E não diz a regra, que quanto menos informação, mais deve ser a atenção ao que nos é dado? Uma hiper valorização dos elementos em tela que exige mais contemplação do que propriamente entendimento do enredo.

Afinal, é importante ressaltar que poucos filmes contemporâneos souberam utilizar tão bem o poder do som na construção de sua atmosfera. Nada tão essencial em meio à banalização do som e da música utilizada em excesso para envolver a qualquer custo o espectador na trama. Nada de hits conhecido para animar platéias ansiosas em ver seus gostos retratados na tela. Nada de clips audiovisuais (a não ser a piada televisiva). Nada de shows ao vivo. E sim um grito quase primal, sempre solitário, filmado por uma câmera imperturbável em seu lento travelling ou em seu seguro enquadramento.

Ao contrário do que se pode pensar, ‘Last Days’ não é um filme de difícil deglutição estética. É uma obra coerente com suas escolhas, um filme de suave movimento. E dessa forma, vai-se construindo uma ligação íntima entre o espectador e a imagem que se vê. Um cinema de vitalidade hipnótica ao avesso, que não entorpece os sentidos, aguça-os. Algo como ‘cinema de poesia’.

quinta-feira, junho 08, 2006

Jan Švankmajer


Quem foi à primeira sessão do Cineclube Corteseco pôde conferir dois curtas do artista surrealista tcheco Jan Švankmajer, considerado um mestre da técnica stop-motion. O primeiro, The Flat (1969), exibe de forma onírica a clausura de um homem num quarto... digamos... bem atípico. O segundo, que não estava na programação – sendo exibido enquanto corrigíamos alguns probleminhas técnicos =D -, foi o Meat In Love (1989), que como o próprio nome sugere, narra o encontro amoroso entre dois pedaços de carne.

Ao vermos o filme The Flat, assim como outras obras de Švankmajer, somos levados a tecer diálogos com obras de outros artistas, como Buñuel (seriam aqueles “cães de Andaluzia?”), Magritte (o espelho que reflete as próprias costas da personagem), Kafka (clima claustrofóbico e absurdo) e Allan Poe (never more... never more). Vale ainda ressaltar que nos idos anos 60, 70 e 80 – décadas que Jan Švankmajer produziu mais obras -, coincide com a experimentação e consolidação do vídeo como meio de expressão artística.

Švankmajer nasceu em Praga em 1934. Seu primeiro curta de animação, The Last Trick of Mr. Schwarzewald and Mr. Edgar, é de 1964. A obra, que mostra um duelo entre dois mágicos, misturava atores e desenhos numa montagem bem surreal.

Realizador de 26 curtas-metragens, estreou na direção de longas com Alice, em 1987. Em 1994, realizou seu segundo longa, Faust. Premiado com o prêmio do Júri Jovem do 49º Festival de Locarno. Em seguida fez Conspiradores do Prazer (1996) e Otesánek (2000), seu último longa-metragem.

Quem quiser saber mais sobre o artista pode conferir na Wikipedia ou no site http://www.illumin.co.uk/svank/, ambos em inglês.

quarta-feira, junho 07, 2006

Depois de Horas

Relógios Moles (1933), tela de Salvador Dalí

Antes de tudo, quero registrar a minha surpresa ao ver tanta gente na sala Aruanda para assistir a primeira exibição do Cineclube CorteSeco, o filme 'Last Days'. Marcado para às 19h20, a sessão só foi iniciada às 20h30, possivelmente devido a uma falha de comunicação acontecida no departamento de comunicaçao da UFPB, local onde se darão os encontros. Mesmo assim, muitos ficaram e o filme foi exibido.

Antes de 'Last Days', os participantes assistiram à dois curta-metragens de um diretor Tcheco, Jan Svankmajer, sobre o qual falaremos depois (em outro post).

Bom..e 'Last Days' começou e felizmente não parou até o seu derradeiro 'último' minuto. Me furto a tratar do filme propriamente dito (pelo menos por enquanto), para deixar apenas as minhas impressões da noite. Com o atraso, algumas pessoas (ou talvez algumas e mais um pouco) foram embora antes do final da exibição, e não se tem por hora como saber se o que as distanciou do filme em questão foi o incessante tempo exigindo outros afazeres, ou se foi o próprio tempo imposto pela obra, excessivamente lento para alguns, essencialmente econômico para outros, definitivamente necessário para a própria estrutura do filme.

De qualquer forma, a exibição terminou tarde demais para qualquer conversa que pudesse esclarecer a questão, e acredito que ficamos todos 'quase' sós...com admiração, indignação, surpresa, tédio, ou simplesmente indiferença, depois que as luzes se acenderam e a sala se esvaziou por completo.

Pelo atraso, fica a esperança de que não mais ocorra.
Pelo filme, fica a certeza de sua escolha.

p.s.: realmente muito grato pela presença de todos. O público foi altamente respeitoso durante a exibiçao do filme e super compreensível com as 'falhas' que prejudicaram a sessão. Espero termos tempo para conversar da próxima vez ("2046", de Wong Kar Way, no dia 21/06).

domingo, junho 04, 2006

Sessão inaugural: Last Days

E por que não começarmos pelo fim?

Algo assim como os últimos momentos da vida de um músico que toca sua guitarra como os anjos tocam suas harpas, construindo o seu próprio canto de elegia e solidão. Um olhar sobre alguém assim como....Kurt Cobain, símbolo de uma geração, de um movimento, de um doloroso e atormentado estado d´alma. Não um mero olhar distraído, mas sim um olhar sensível, distante, artístico, sublime. “Last Days” (2005), de Gus Van Sant, filme que poderá ser apreciado (ou odiado, quem sabe?) pelos que estiverem na sala Aruanda do Decom/UFPB (departamento de Comunicação da UFPB), às 19h20 dessa quarta-feira, dia 7 de junho.

Mais do que um filme biografia sobre o extra-conhecido e comentado vocalista do Nirvana, “Last Days” aprofunda as inquietações estéticas de um grande diretor em plena sintonia com sua inspiração artística. Depois de sua passagem em Cannes e outros festivais mundo afora, o filme suscitou criticas entusiasmadas de grande parte de cinéfilos que vinham acompanhando o trabalho de Gus Van Sant, mais precisamente com sua nova trilogia conceitual que inclui os filmes Gerry e Elefante (vencedor da palma de Ouro em 2003).

O filme foi escolhido para a sessão inaugural por ser justamente essa obra inquieta e contemporânea que suscita opiniões distintas e aguçadas reflexões por parte dos críticos/apreciadores do cinema.

Dentro da proposta da formação do Cineclube CorteSeco, acreditamos que é fundamental que as pessoas possam discutir o filme após a exibição. Para tanto, destaco aqui três críticas que podem ser lidas e discutidas antes e/ou depois da sessão.

Hiper-Sensibilidade (procurar Last Days na lista), por Kleber Mendonça Filho, figura que certamente se fará presente nas indicações desse que vós escreve, encontrado no site www.cinemascopio.com.br ;
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Dias no campo, por Luis Carlos de Oliveira Jr., critico da revista eletrônica contracampo, (www.contracampo.com.br) site mais que visitado nas minhas tentativas de compreender melhor o cinema contemporâneo ;
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Proponho essas leituras acima de acordo com o comentário de um fundamental pensador do cinema, o francês André Bazin(1918-1958), ao sugerir que “a função do crítico não é trazer numa bandeja de prata uma verdade que não existe, mas prolongar o máximo possível, na inteligência e na sensibilidade dos que o lêem, o impacto da obra de arte”.

Após a sessão, esse blog será um espaço aberto para críticas e comentários acerca do filme.